Meu Caro Paciente,
Foi um prazer conhecê-lo, hoje, a si e à sua noiva. Eu sei que ficou assustado quando viu as palavras “tratamento oncológico” na porta do meu consultório, sobretudo por ter sido referenciado para mim depois da deteção de uma pequena alteração no seu hemograma.
Não se sinta mal, não é o primeiro paciente que encontrei a olhar para mim como se eu fosse um juiz com pressa de o condenar à morte. Lembre-se das minhas primeiras palavras: “não entre em pânico, os oncologistas também veem pessoas com problemas simples no sangue”. Ficou mais aliviado quando lhe disse que a contagem baixa de leucócitos no seu sangue era apenas sequência de uma infeção viral? Não está a pensar que tem cancro, pois não? Vamos lá, vai viver até ser velhote!
Talvez não acredite em mim. No entanto, apesar de ter acabado de o conhecer, estou preocupado com o seu futuro e, se há pessoa neste mundo que não quer ficar preocupado com a sua saúde, essa pessoa é o seu oncologista. Sabe a que me refiro! Pensou que não ia levantar a questão? Que tipo de médico seria eu, se ignorasse o facto de estar a encurtar e desperdiçar o seu tempo de vida, tempo para passar com a pessoa que ama, por causa de um mau hábito? Aprecio o facto de me ter respondido honestamente, mas se me tivesse mentido, o cheiro do seu hálito iria denunciá-lo.
Assim, sem julgamentos, tentei dar-lhe um conselho amigo para abandonar o único produto legal que, quando utilizado, mata 443 000 de nós todos os anos, o produto que aumenta 23 vezes a probabilidade de contrair cancro de pulmão. Obrigado pelo seu tempo. Rezo para que, o conselho que recebeu, hoje, o inspire a parar.
Lembre-se, nunca mais o quero ver no meu consultório. Se continuar insistindo, pode acabar por se juntar a um clube particularmente triste, cujos membros tenho a duvidosa honra de auxiliar numa viagem fúnebre. Não há restrição de idade para os membros deste clube. Pode ser solicitado a juntar-se ao clube mesmo que só tenha 45 anos de idade, sentindo-se bem, aliás nunca se sentiu tão bem e não conseguir entender porque é que, em apenas 14 meses, depois de lhe ter sido diagnosticado cancro do pulmão num estadio inicial, tem metástases hepáticas ou então…
… aos 55 anos, quando começa a dominar os jogos de golfe aos fins de semana, a sua tosse persistente acaba por revelar uma grande massa mediastinal de cancro do pulmão de pequenas células ou
… aos 65 anos de idade, acabado de reformar-se, pronto para participar na vida social e nos eventos desportivos dos netos, se vê numa urgência de hospital depois de sofrer uma convulsão por metástases cerebrais anteriormente desconhecidas, ou
… aos 75 anos, os seus filhos me vêm perguntar, em privado, se vai viver o tempo suficiente para comemorar a sua festa de aniversário dos 50 anos de casamento e eu respondo: “Tenho dúvidas!”.
Vejo acontecerem estas tragédias tantas vezes que se tornou para mim uma rotina, mas não pense que a sua vida foi menos preciosa, que a sua morte é menos grave, só porque se matou com cigarros. Não é tarde demais para mudar o seu futuro, escute-me bem!
Por favor, não se torne em mais um dos incontáveis maridos, pais, tios, irmãos neste país que, se não tivessem começado, ainda estariam vivos hoje. Não tem que fazer isto sozinho, mas tem que querer parar de fumar. Procuraremos dar-lhe a melhor ajuda disponível, para o ajudar a largar o vício, mas tem que querer parar de fumar. Na verdade, ninguém sabe o que o destino lhe reserva mas, se voltar à minha consulta como um doente com cancro, eu saberei qual o seu destino: é uma visão terrível!