Resumo Webinar – TRATAMENTO DO DOENTE COM CANCRO DO PULMÃO REGRESSO AOS MELHORES CUIDADOS
De forma a contextualizar como está a ser organizada a retoma da atividade das unidades de saúde e esclarecer as dúvidas e ânsias dos doentes, após um período que comprometeu o diagnóstico, a abordagem terapêutica e o acesso aos melhores cuidados, a Associação Pulmonale promoveu no passado dia 21 de maio o webinar dedicado ao tema: “Tratamento do Doente com Cancro do Pulmão: Regresso aos melhores cuidados”. Esta sessão online, que teve o apoio da Novartis, contou com a presença de cinco especialistas na matéria, de diferentes áreas disciplinares e regiões do país.
A primeira palavra foi dada pela Dr.ª Isabel Magalhães, presidente da Associação Pulmonale, que, reconhecendo a necessidade de ter sido estabelecido um distanciamento social para proteção de todos, e parabenizando o esforço dos profissionais de saúde e a reorganização dos serviços, salientou que nesta fase de recomeço é “fundamental que os doentes regressem com confiança, não atrasem os seus diagnósticos, não adiem os seus tratamentos, mas confiem que vão ter acesso aos cuidados adequados”.
A sessão prosseguiu com a partilha de um testemunho por parte de um doente com cancro do pulmão e membro da Associação Pulmonale – Marco Amorim, de 46 anos -, que, com um cancro diagnosticado há um ano e dois meses e seguido no Hospital de São João, no Porto, referiu sentir serem-lhe “negados alguns direitos em relação ao acompanhamento e tratamento”, o que acredita poder levar a um desfecho desfavorável. “Sem culpa” do aparecimento da pandemia, este doente oncológico lembrou as elevadas taxas de mortalidade que atingem a patologia oncológica e partilhou o seu sentimento: “parece que deixámos de ser importantes, ou que a nossa doença deixou de ser tão grave, como era há três meses”. A essa sensação alia-se a expectativa em relação à retoma dos cuidados.
Restabelecimento dos cuidados nos serviços nacionais
Questionada quanto ao modo como o seu hospital está a atuar neste regresso aos cuidados e às garantias que estão a ser dadas aos doentes, a Dr.ª Teresa Almodovar, pneumologista no Instituto Português de Oncologia de Lisboa e presidente do Grupo de Estudos de Cancro do Pulmão, esclareceu que no seu centro foram mantidas as atividades de apoio aos doentes oncológicos por ser um centro não COVID-19, tendo sido apenas transformadas algumas consultas em consultas não presenciais e interrompidas algumas atividades não prioritárias.
Relativamente ao regresso, a pneumologista informou que está a ser estabelecida uma “retoma a 100%”, de forma progressiva, estando neste momento sob consultas não presenciais os doentes em seguimento, que continuam a fazer os exames no hospital, em prol da diminuição da afluência e do tempo despendido no hospital.
Confrontada com sentimentos de abandono semelhantes aos de Marco Amorim, a Dr.ª Teresa Almodovar constatou que as equipas têm de dar aos seus doentes “não só os melhores cuidados clínicos, mas também um grande apoio do ponto de vista psicológico”.
Quanto à experiência do Dr. Fernando Barata, o médico pneumologista no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra explicou que foram criados “percursos e espaços alternativos” e a unidade de Pneumologia Oncológica foi transferida para um edifício externo “com circuitos autónomos”. Em relação às terapêuticas para o cancro do pulmão, no que respeita à radioterapia e imunoterapia, continuam, embora com uma periodicidade maior na imunoterapia, salvaguardando a eficácia da terapêutica.
Quanto ao recomeço da atividade hospitalar, o Dr. Fernando Barata enalteceu que é necessário “estar em consonância com o que vai sendo recomendado pelas autoridades de saúde”, e é preciso não esquecer a presença de uma doença nova e imprevisível, que implica estar preparado para “reverter e adaptar face à evolução da pandemia”. Em relação às consultas não presenciais, o médico pneumologista considerou ter sido justificável numa situação de emergência, no entanto é preciso transformá-las num modo presencial para não “degradar a relação médico-doente” e também porque esse contacto é “parte integrante das boas práticas médicas”.
No que respeita à prática no Instituto Português de Oncologia do Porto, o Dr. Júlio Oliveira, médico oncologista na instituição, explicou que inicialmente foi preciso existir uma “reconversão de circuitos das instituições”, tendo sido estabelecidos circuitos diferenciados para doentes com suspeita de infeção por SARS-CoV-2 e foi preciso “treinar as equipas para novos procedimentos e uma nova forma de estar na medicina”.
Em relação ao impacto nos doentes, o Dr. Júlio Oliveira explicou que existiu inclusivamente uma “maior interação com os doentes via telefónica”, sendo que não aconteceu uma “redução de atividade”. A ligeira quebra de produção cirúrgica inicial foi compensada e os atrasos estão a ser recuperados, conforme explicou, e “não existiu uma diminuição significativa do número de consultas nem tratamentos de radioterapia, nem tratamento em Hospital de Dia”.
A estes doentes que seriam submetidos a cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, com risco aumentado de redução das defesas, o Dr. Júlio Oliveira salientou a importância de ter sido introduzido o rastreio de SARS-CoV-2, o que permitiu identificar alguns doentes que, não tendo sintomas, estavam infetados, e assim salvaguardar a saúde individual e dos profissionais de saúde.
A nível nacional, o especialista chamou a atenção para as diferentes alterações na forma como os doentes foram seguidos, a nível das instituições e das regiões, dado o diferente impacto da COVID-19 em Portugal. No entanto, de forma global, enalteceu que “não terá havido, nos doentes que já estão em tratamento, um impacto muito significativo na forma de gestão”, algo que não aconteceu com o diagnóstico, tendo existido alguma “redução de exames de diagnóstico”, percecionada pela redução de primeiras consultas e referenciações.
De forma a percecionar o real efeito das transformações impostas pela COVID-19 no SNS e na abordagem dos doentes oncológicos, o Dr. Júlio Oliveira, na qualidade de membro da direção da Sociedade Portuguesa de Oncologia, adiantou que a Sociedade está a desenvolver um projeto para estudar o “impacto da infeção por SARS-CoV-2 nos doentes oncológicos” e “perceber até que ponto os doentes oncológicos sofreram durante este período, nomeadamente em termos de sobrevivência”.
Situação dos ensaios clínicos
Enquanto presidente do Grupo de Estudos de Cancro do Pulmão, a Dr.ª Teresa Almodovar explicou que “os ensaios clínicos são um procedimento muito complexo” que depende de muitos intervenientes, o que dificulta a realização destes estudos em época de pandemia e ditou a sua suspensão. Com a nova normalização das atividades, a especialista explicou que está a ser retomado o “recrutamento de novos doentes para os ensaios”. Relativamente aos ensaios que estavam em curso, com doentes incluídos em tratamento ou monitorização, foi mantida a sua atividade durante a pandemia.
Vertente psicológica − a crise individual e coletiva
Questionado quanto às consequências da atual vivência a nível psicológico, dada a fragilidade dos doentes oncológicos e o distanciamento do médico e da comunidade, o Prof. Doutor Eduardo Carqueja, diretor do serviço de Psicologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, explicou que estamos perante duas dimensões: “uma crise individual”, derivada da própria doença e dos tratamentos, e, por outro lado, “um crise coletiva, que chega sem que se tenha conhecimentos para perceber o que vai acontecer”.
De forma a diminuir a ansiedade, o especialista em Psicologia explicou que é necessário interiorizar que esta é “uma situação nova”, que tem implicações em todos nós, mas, ao mesmo tempo, “normalizar a dificuldade comum a todos de não saber o que vai acontecer”. Muito importante, salientou, é interpretar como “algo transitório, e não como uma coisa definitiva da minha vida”, o que leva à sensação de abandono. Nesta lógica, o especialista explicou que a situação deve ser encarada “numa dimensão de transitoriedade, que decorre de uma crise coletiva e que afeta a crise individual”.
O Prof. Doutor Eduardo Carqueja reforçou ainda que “o hospital é o lugar mais seguro para os doentes irem”, depois de se terem reconfigurado os espaços, explicando que a sala de espera do seu Hospital cumpre o distanciamento necessário, procede-se à medição da temperatura, fazem-se despistes de COVID-19 a quem venha iniciar os tratamentos e tenta-se que o doente realize as consultas das várias especialidades no mesmo dia.
Quanto a possíveis situações de stress pós-traumático, o Prof. Doutor Eduardo Carqueja mostrou não ter dúvidas de que vão ocorrer. Se inicialmente as pessoas procuram um refúgio, quando se veem em condições de pensar sobre aquilo que aconteceu, surgem outras imagens, explicou. Após a situação crítica, o especialista em Psicologia destacou que “as imagens vão ficar na memória e os comportamentos vão ser condicionados por essas imagens”.
A somar, os doentes vão deparar-se com “um novo mundo”, e têm de se ajustar a uma realidade diferente, que está a ser construída e cria instabilidade. Neste caso de stress pós-traumático, a orientação do especialista vai no sentido de que os doentes “não estranhem que tal possa acontecer” e “peçam ao seu médico oncologista para ter apoio psicológico”.
Autogestão do doente oncológico e articulação de agentes
Sobre o impacto na afluência dos doentes pela primeira vez, o Dr. Fernando Barata enunciou que no seu Hospital, durante o mês de abril e até 15 de maio, verificou-se “uma diminuição de cerca de 50% de novos doentes que não foram recebidos”, contextualizando que não surgiram nas urgências, não foram referenciados pela Medicina Geral e Familiar nem por outros hospitais, o que se explica pela própria diminuição dessas consultas e pelo redireccionamento de muitos colegas para o apoio à pandemia, e também pela diminuição do número de técnicas de diagnóstico.
Quanto aos aspetos positivos que esta situação trouxe e que poderão ficar para o futuro, o Dr. Fernando Barata deu especial ênfase às terapêuticas orais. De uma forma intervalada, o doente recorria um mês ao hospital para fazer inclusivamente a reavaliação em termos analíticos, enquanto no mês seguinte o doente fazia consultas por telefone e a medicação era enviada para a farmácia de bairro, em articulação com a farmácia do CHUC, explicou, o que foi muito bem acolhido pelos doentes.
Sobre este aspeto, o Dr. Júlio Oliveira sugeriu ainda a possível distribuição dos medicamentos por parte de empresas de distribuição certificadas e regulamentadas, de forma a incrementar estes cuidados ao domicílio.
O médico oncologista deu ainda especial relevância ao aperfeiçoamento da utilização da teleconsulta no futuro, que “não pode ser sobreutilizada, mas usada com critério, numa certa dose”. Ainda com algumas limitações, o Dr. Júlio Oliveira chamou a atenção para a “necessidade de introdução de melhorias do ponto de vista tecnológico” e para a “iliteracia digital” de muitos doentes idosos com cancro do pulmão, sendo necessário um processo de capacitação dos doentes.
Em relação ao papel das associações, a Dr.ª Isabel Magalhães identificou que é a elas que cabe “capacitar os doentes, informar, esclarecer, e apoiar – doentes e cuidadores”. Perante a pandemia, muitos foram os receios que assolaram os doentes, fruto da alteração das rotinas e da diferente interação com a equipa médica, explicou.
Neste contexto, a presidente da Pulmonale explicou que a associação teve de se adaptar às necessidades dos associados e desenvolver ferramentas de apoio. Como medidas concretas, foi criada “uma área de perguntas e respostas sobre a COVID-19”, estabeleceram uma “vídeo-consulta de apoio psicológico”, gratuita para os associados, disponibilizaram um “atendimento telefónico diferenciado uma tarde por semana” e criaram um fórum no site para os doentes colocarem as suas questões.
Chamando a atenção para a especial fragilidade do doente com cancro do pulmão, a presidente da Pulmonale referiu ser essencial “prestar todo o apoio necessário”, dando-lhe confiança para que possa retomar o diagnóstico ou o seguimento. Por outro lado, num momento de recessão económica, a Dr.ª Isabel Magalhães salientou a necessidade de estarmos “atentos para que se mantenham os melhores cuidados aos doentes, não só a nível do acesso a novas abordagens terapêuticas, mas também a todo o apoio ao doente e cuidador, numa visão holística”.
Quanto ao papel do doente, na visão da Dr.ª Isabel Magalhães, “a pandemia trouxe claramente a noção de que o doente tem de ser mais proativo e colaborar no quadro da gestão da própria doença”, ao invés de ser um agente passivo – algo que foi reforçado neste quadro de confinamento e que deverá servir de aprendizagem para o futuro.